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POR ENTRE AS ROTINAS DIÁRIAS:

OS DESENHOS FANTÁSTICOS DE FERNANDA CHIECO 

FERNANDA CHIECO: FISHERMAN'S THRONE

Exposição Individual - Incheon Art Platform, Incheon, Coréia do Sul

por Lee Jinmyung, novembro 2011

Fernanda Chieco, uma das artistas mais promissoras do Brasil, graduou-se em Artes Plásticas pela Universidade de São Paulo e aprofundou seus estudos no Goldsmiths College, em Londres.

 

A artista desenha delicadas cenas de fantasia com lápis e papel. A fantasia de Fernanda Chieco

não é algo meramente estético obtido pela organizacão aleatória de imagens irreais, mas sim a fantasia da estória, que transmite claras narrativas ao causar estranhamento no nosso dia a dia com o uso de artifícios simples. O estranhamento, uma das estratégias mais essenciais da artista, é um artifício de intencão retórica escolhido por ela para contemplar a ontologia da rotina diária. A vida diária é um fluxo de tempo corriqueiro deste mundo ou, segundo Gaston Bachelard, o mundo do tempo horizontal. É um mundo que carece do processo latente da contemplacão. É um mundo que segue rotineiramente, que esquece facilmente. Por outro lado, existe um mundo de tempo poético, acentuado por grande determinacão de contemplar e forte tensão. É o tempo vertical. É

o tempo artístico. A esta altura, é inevitável indagar de onde se originou a consciencia acentuada do tempo poético da artista. Poder-se-ia facilmente interpretar que originou-se da determinacão de recuperar o imaginário representado pelas bocas e anus dos homens e mulheres da realidade.

 

Nas obras de Fernanda Chieco, os humanos, embora sejam o sujeito e tema centrais, são desenhados em branco e preto. Parecem precisar de algo. Os objetos, por sua vez, merecem uma variedade de cores. A deficiencia interminável reproduz desejos intermináveis, que nos levam a explorar o mundo dos sonhos que amamos desde o início do universo e que, por isso, nos impelem a restaurar o imaginário.

 

As obras de Fernanda Chieco negam veementemente o logocentrismo ou uma forma de pensar que coloque o sujeito com racionalidade acima do objeto. Observe o narcisismo moroso dos seres humanos assemelhando-se a fantasmas, desenhados em branco e preto. São reduzidos a seres inativos, os mortos. Parece que tudo o que a artista prefere e se dispõe a representar, como a vivacidade de plantas e animais; a implicacão social dos sinais de transito; a energia artificial dos postes de luz e a sociologia da comunicacão, simbolizada por um orelhão, doa sangue aos seres humanos, como se seu valor prevalecesse sobre as pessoas.

 

Outra indagacão inevitável refere-se à preferencia da artista pelos desenhos a grafite em papel, que é o segredo dos enigmas estéticos exclusivos de Fernanda Chieco. Lápis e papel possuem qualidades que representam o exato oposto da grandiosidade. Na arte contemporanea, a grandiosidade é um elemento fundamental, considerada até uma virtude. Desde os anos 1980, quando se iniciou a transicão para o pós-capitalismo, o entretenimento tornou-se parte central da política cultural dos países ocidentais. Certamente a tríade rapidez, sexualidade e espetacularizacão foi útil para impulsionar o consumo estimulado mais pela reacão imediata que pelo pensar constante. Em pouco tempo, a entrega impensada ao prazer dos sentidos prevaleceu sobre o pensamento retrospectivo. Na arte, a espetacularizacão e a visibilidade tornaram-se mais importantes que seu papel sócio-humanitário e sua natureza filosófica. Precisamente opostos a essa grandiosidade impulsionadora do consumo estão os desenhos a grafite em papel. Contrastando com a política da espetacularizacão, desenhos a lápis priorizam a estética da destreza, que é também uma metáfora para algo feito em casa ou dentro de uma família, uma metáfora para mãe, a terra, a educacão e não para a política da masculinidade, da caca, dos massacres executados fora de casa.

 

Fernanda Chieco parece ter contemplado a verdade amarga da estética. Pinturas a óleo formaram grossas camadas de discursos de peso ao longo da história. Cada período histórico impos sua própria norma baseada em um consenso apropriado. A história dessas normas tacitamente acordadas, impostas como padrão universal de beleza, é a verdade da estética. A história dos desenhos a grafite não é tão longa quanto a da pintura a óleo e, portanto, eles são relativamente livres de normas e padrões. A artista brasileira utiliza um meio que não é restrito por ideologia e história e, dessa forma, busca seu próprio mundo dos sonhos.

 

É um mundo de completude, como era antes da presente deficiencia que a artista deseja reparar. Espera também recuperar a consciencia acentuada em seu próprio tempo poético. O tempo poético de Fernanda Chieco não é o tempo de luta, para chocar-se com o mundo exterior, mas sim o tempo da convivencia e da prosperidade compartilhada com os outros. Ela não busca cegamente a liberdade, mas persegue com persistencia um valor sem precedentes, desempenhando gestos de paciencia, sobriedade e moderacão. Não há escolas, regiões, nem mesmo uma igreja em seus desenhos. Existem apenas experimentos visuais envolvendo a fraternidade.

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